Fonte: MHAB Acervo CCNC


A Rua do Capão começava no Largo da Matriz e seguia mais ou menos paralelamente a atual Rua Alagoas até às proximidades da Avenida Cristovão Colombo. A partir daí a rua se ramificava formando os caminhos para a Lagoa Seca e Mutuca. Na foto podemos ver as casas que existiam na rua antes da construção do bairro Funcionários e ao fundo as áreas atualmente ocupadas pelos bairros São Pedro e Santo Antônio.

Fonte: MHAB Acervo CCNC


A Rua do Rosário era uma das mais importantes do Curral del Rey. Ela seguia mais ou menos o traçado da Rua Guajajaras, seguindo até o antigo Largo do Rosário no cruzamento da Avenida Álvares Cabral e a antiga rua se localizava entre as ruas Guajajaras e Timbiras. A rua desapareceu para dar lugar aos quarteirões compreendidos entre estas ruas.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Trecho da Rua de Sabará nas proximidades do Largo da Matriz. Na foto podemos ver a ponte rústica sobre o Córrego do Acaba Mundo que existiu antes de sua canalização que desviou o seu curso. A foto acima foi tirada nas proximidades do cruzamento da Rua Alagoas com Rua dos Aimorés.

Fonte: MHAB Acervo CCNC


Nessa foto vê-se a Capela do Rosário, demolida em 1897 e parte das ruas do Rosário e General Deodoro. Ao fundo as montanhas da região sul de Belo Horizonte, nas proximidades dos bairros Santo Antônio, Cidade Jardim e Avenida Raja Gabaglia.

Fonte: MHAB Acervo CCNC


Trecho do Córrego do Acaba Mundo, hoje canalizado em frente ao antigo Fórum, atual Instituto de Educação.

*(2021) Sobre o Acaba Mundo, recomendo a leitura do artigo "Do protagonismo à invisibilidade: Geografia Histórica do córrego do Acaba Mundo e a sua relação com o sítio de Belo Horizonte/MG (1716/1973)", que pode ser acessado neste LINK.
Fonte: Acervo MHAB

Superposição da planta do Curral del Rey com a de Belo Horizonte, destacando-se o traçado irregular do Curral del Rey "seguindo as estradas" e o traçado planejado, racional e positivista de Belo Horizonte.
Residência do Engenheiro Chefe da CCNC Aarão Reis no atual Parque Municipal.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Em Dezembro de 1893 Belo Horizonte foi escolhida como a futura sede da nova capital de Minas Gerais. A festa foi grande no arraial, pois grande parte da população almejava a sua escolha. Mas após a festa veio o temor: qual o destino que teria o afortunado arraial? O que aconteceria às propriedades dos belorizontinos? Essas perguntas foram respondidas somente em 1894 com o decreto do governo desapropriando todos os imóveis dentro da zona destinada a nova capital. O arraial, espelho de uma sociedade rural que predominava em quase todo o Brasil estava condenado ao desaparecimento.
Em seu livro Belo Horizonte, Memória Histórica e Descritiva Abílio Barreto p.71 Vol.2, testemunha ocular do surgimento da nova capital afirma que o Padre Francisco Martins dias ouviu do engenheiro chefe Aarão Reis que “não queria nenhum dos antigos habitantes de Belo Horizonte dentro da área urbana ou suburbana traçada para a nova cidade, e que tratasse o povo de ir se retirando”. Diante da afirmação acima se deve compreender que não era, de interesse algum a conservação do núcleo central do arraial do Curral Del Rey pela CCNC, pois a sua conservação ia contra o pensamento vigente na época, da construção de uma cidade moderna, planejada nos moldes do pensamento positivista da época, ao contrário do antigo Curral Del Rey que apresentava um traçado irregular, típico das vilas e arraiais surgidos no período colonial. E como não era de interesse manter a população local dentro da área delimitada era necessário a total demolição do arraial para que essa população perdesse toda a identificação com o local, retirando-se então para áreas mais afastadas. Grande parte dos curralenses, após a desapropriação de suas casas mudou-se para regiões mais afastadas do centro do arraial como o Calafate, Cardoso e Venda Nova. Devemos lembrar que alguns dos antigos moradores permaneceram na nova capital, permutando suas antigas residências por lotes nas imediações de suas antigas propriedades. Na sua maioria os que permaneceram tinham influências políticas, diversas propriedades no antigo arraial ou mesmo contratos para o fornecimento de equipamentos e viveres para a CCNC. Seus nomes figuram entre os proprietários das primeiras residências e casas comerciais na nova capital.
Em Março de 1894 iniciaram-se as obras de construção da nova capital. Juntamente com os estudos preliminares fez-se um estudo mais detalhado da localidade, surgindo em 1895 à planta definitiva do que viria a ser a nova capital.

Parte da Planta do Arraial de Belo Horizonte onde vemos sinalizados em vermelho as casas e os terrenos desapropriados pela CCNC para a construção da capital.
Fonte: APCBH

Planta da cidade de Minas 1894.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Planta de Belo Horizonte 1895.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Analisando a planta percebe-se que Aarão Reis criou a cidade com duas malhas: as das ruas formando ângulos retos e as avenidas estrategicamente situadas, formando ângulos de 45º interagindo com as ruas. Essa interação tem, entre outras características evitar que sejam configuradas ruas em ziguezague, como o antigo Curral del Rey e as cidades surgidas no período colonial, que seguiam os traçados dos primeiros caminhos abertos. A Avenida Afonso Pena foi pensada como um eixo de passagem obrigatório para quem deseja ir de uma ponta a outra na cidade planejada. Observa-se também que a avenida segue cortando as curvas de nível do terreno ligando a parte baixa, na calha do Ribeirão Arrudas a parte alta, na época denominada morro do Cruzeiro, atual Praça Milton Campos. A Avenida do Contorno coloca-se como o limite do planejado, como um “muro imaginário” separando a zona urbana da zona suburbana, que também figura na planta e que apresenta ruas traçadas de acordo com a topografia e quarteirões irregulares, facilmente identificáveis em relação à zona planejada. Mais afastado ainda ficava a área destinada aos Sítios para o abastecimento da capital. Essas áreas vieram a ter uma atenção maior dos governantes nas primeiras décadas do Século XX, com a expansão da cidade para estas áreas.
O projeto dava maior importância à vista da Serra do Curral, que então podia ser observada de toda a cidade planejada e ela ficava nos seus limites, encaixada entre a serra e o vale do ribeirão Arrudas. Em suma: a planta buscava atender os ideais positivistas e progressistas presentes na nascente republica e esses ideais estão representados em Belo Horizonte. Um espaço urbano organizado geometricamente, hierarquizado e com funções sociais e administrativas bem definidas e delimitadas. Um espaço que não tinha por objetivo harmonizar com o que já existia anteriormente. “O projeto de Aarão Reis é minucioso, sofisticado, segregacionista e elitista. O plano da cidade determina o espaço a ser ocupado tanto pelas atividades (habitat, trabalho, lazer e administração pública, por exemplo) quanto pelas classes sociais, preservando e isolando as de maior poder aquisitivo.” (BH Verso e Reverso)

Construção do bairro Funcionários e da Praça da Liberdade.
Fonte: BARRETO, Abílio. Belo Horizonte: Memória Histórica e Descritiva, 1996.

O arraial do Curral del Rey foi sendo demolido aos poucos, pois as casas ainda estavam ocupadas por pessoas ligadas a CCNC e as ultimas casas pertencentes ao arraial foram demolidas somente nos primeiros anos do Século XX. Existem diversas fotografias da época que mostra a interação, ainda que desordenada entre as casas remanescentes do arraial e as novas construções da nova capital. É o antigo, o rústico dando lugar ao moderno, imponente e inquestionável.

A nova capital em fase final de construção onde se vê, em meio as novas construções as velhas casas e a Matriz do Curral del Rey.
Fonte: BARRETO, Abílio. Belo Horizonte: Memória Histórica e Descritiva, 1996.

A Matriz da Boa Viagem tinha sido poupada, inserida no traçado urbano da nova capital como um remanescente do antigo arraial que ali existira anteriormente. De acordo com Abílio Barreto, mesmo com a autorização da Igreja para a demolição dos templos existentes no arraial (a Capela de Santana já havia sido demolida em 1894 e a Capela do Rosário foi demolida em 1897 para a abertura da Avenida Álvares Cabral e a Rua Guajajaras) a Matriz da Boa Viagem foi poupada, pois “a importância tradicional daquele templo se impunha tão eloquentemente que a Comissão Construtora, de acordo com o Governo, julgou de melhor aviso conciliar o traçado da capital com a conservação da Matriz (...) Desde então, nem o Governo, nem a Comissão, pensou mais em demoli-la”.
O Padre Francisco Martins Dias registrou suas impressões ao ver a lenta destruição do arraial, “Belo Horizonte é hoje um contraste de velharias e novidades: ao pé de uma cafua de barro, coberta de capim ou zinco, eleva-se um edifício velho do Curral Del Rey, surge um primoroso palacete da Nova Capital; junto de uma estreita e pobre rua, formada de casas e choupanas de todos os tons e categorias, que atestam a modéstia ou pobreza dos antigos habitantes do Curral, estira-se, desafrontada, larga e extensa rua da nova cidade. Mas essas cafuas, essas velhas casas e essas ruas irregulares do Curral vão desaparecendo, pouco a pouco, ao passo que, como que por encanto, surgem outras novas.”
Finalmente em 12 de Dezembro de 1897, ainda com diversas obras sendo realizadas por toda parte é inaugurada a capital, tão sonhada e arquitetada para ser o símbolo da modernidade no Brasil republicano. No dia 13 de Dezembro foi extinta a Comissão Construtora da Nova Capital e em 29 de Dezembro, foi nomeado o primeiro prefeito da Cidade de Minas, Adalberto Ferraz.

Fonte: MHAB Acervo CCNC


A Rua General Deodoro tinha o seu inicio no Largo da Matriz, mais ou menos na atual Rua Sergipe e seguia mais ou menos o rumo desta e da Rua Goiás, na direção da Aveinida Augusto de Lima até o cruzamento desta Avenida com a Rua Espirito Santo, abaixo da Imprensa Oficial.

Fonte: MHAB Acervo CCNC


Panorama do arraial em foto tirada das imediações do Parque Municipal. Ao fundo a Serra do Curral, a terraplanagem da Avenida Liberdade, atual João Pinheiro, a Praça da Liberdade e áreas ocupadas por diversos bairros da Zona Sul de Belo Horizonte.

Fonte: MHAB Acervo CCNC


Casas destinadas aos funcionários públicos construidas nas proximidades da Avenida Cristovão Colombo.

Fonte: MHAB Acervo CCNC


O Largo do Rosário se localizava nas proximidades da confluência da Avenida Alvares Cabral com as ruas Guajajaras e Espirito Santo. A Capela foi demolida no ano de 1897 para a abertura dessas vias.

Fonte: MHAB Acervo CCNC


A Rua de Sabará era a principal via do arraial do Curral del Rey. Ela fazia a ligação do arraial com a cidade de Sabará. Começava no Largo da Matriz,atual Rua Alagoas e seguia mais ou menos o mesmo traçado da atual Avenida Brasil e Rua Niquelina no bairro de Santa Efigênia.
Alfredo Camarate, que fez parte da equipe de construção da nova capital registrou em 1894 em suas anotações a Rua de Sabará ao chegar ao arraial de Belo Horizonte:

"Ao cabo de quatro horas de viagem (...) divisamos a povoação de Belo Horizonte, incrustada numa mata verde-negra e densíssima dentre a qual emergiam os campanários da igreja, construída nas primitivas simplicidades da arquitetura. Mas a viagem começa a apresentar uma feição absolutamente diferente. Enveredamos por uma rua extensíssima, muito larga, muito parecida com alguns caminhos de certas povoações da África Ocidental. Umas casas muito humildes com aparências de cubatas e, nos intervalos das casas, longos muros de barro vermelho, assombreados por árvores frutíferas. Mas tudo aquilo muito limpo, muito alinhado e sempre da mesma forma e com o mesmo encanto se chega a Belo Horizonte, um belo horizonte na realidade!"
Com a proclamação da republica em 1889 os habitantes do Curral del Rey passaram a discutir a mudança do nome do arraial. Após varias reuniões realizadas resolve-se adotar, com o aval do então governador João Pinheiro da Silva o nome de Belo Horizonte, pois acreditava que o antigo nome era um atestado ao atraso, fato inaceitável para a jovem nação republicana.
Juntamente com a Republica veio à tona novamente a questão da mudança da capital. Ouro Preto não apresentava alternativas para o desenvolvimento urbano e para a implantação de melhorias sanitárias, pois a topografia não favorecia tal desenvolvimento, além de já existir um movimento, mesmo que embrionário, para a conservação do seu sitio urbano. A nova capital seria inovadora, com largas ruas e com as condições necessárias para se realizar um saneamento adequado, propiciando um modo de vida compatível com as idéias vigentes da época. Os edifícios seriam modernos, negando o que se via em Ouro Preto, a arquitetura colonial portuguesa, símbolo do atraso para os entusiastas da nascente Republica.
As localidades escolhidas pelo Congresso Mineiro após acaloradas discussões foram Juiz de Fora, Várzea do Marçal (São João del Rei), Barbacena, Paraúna e Belo Horizonte. Foi contratado para chefiar os estudos das localidades e posteriormente implantar os aparatos necessários para a construção da capital o Engenheiro Geógrafo e Civil Aarão Reis, natural do Pará.
Após a realização dos estudos nas cinco localidades indicadas Aarão Reis aponta em seu relatório enviado para o Congresso mineiro as vantagens e desvantagens de cada localidade, sobressaindo-se entre as localidades estudadas Belo Horizonte e Várzea do Marçal, sendo essa ultima a escolhida por Aarão Reis para sediar a nova capital. Mas após meses de debates o Congresso, reunido em Barbacena para fugir das pressões contrárias a mudança da capital em Ouro Preto decide que o arraial de Belo Horizonte é o local ideal para a sede da nova capital.

Planta da Varzea do Marçal - 1893
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Planta do Arraial de Belo Horizonte - 1893
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Analisando as plantas produzidas pela Comissão responsável pela avaliação das localidades realmente o sitio onde se encontra Belo Horizonte apresentava inúmeras vantagens em relação à Várzea do Marçal, a começar pela localização, pois a Várzea, como o próprio nome diz é uma área plana sujeita a alagamentos nos períodos de chuva. A capital se tivesse sido ai estabelecida sofreria com grandes enchentes nas partes mais baixas do terreno. Em relação à expansão urbana ela comportaria uma distribuição regular da população seu sitio, verificada atualmente com o crescimento de São João Del Rei em direção à Várzea. Porém se observarmos a questão do Patrimônio Histórico a perda seria bem maior, pois certamente, se a capital tivesse se estabelecido ai já teria anexado – a conhecida conurbação, as partes históricas de São João del Rei e de Tiradentes, levando ao desaparecimento parcial ou total delas, tamanho foi o crescimento da capital nos últimos cinqüenta anos. Muitos podem se perguntar: mas não houve também grandes perdas históricas e culturais com o arrasamento do arraial de Belo Horizonte, antigo Curral del Rey? Sim, houve, porém as perdas patrimoniais comparadas a estas duas cidades foram realmente menores e mais aceitáveis se lançarmos um olhar mais critico em relação ao patrimônio. O abastecimento de água seria mais oneroso, pois os recursos hídricos ai existentes são em menor abundância do que na região de Belo Horizonte. Já a centralidade do arraial de Belo Horizonte foi um fator determinante para a sua escolha, pois a sua localização influenciaria grande parte do Estado, ao mesmo tempo em que deixaria de sofrer qualquer influência dos estados vizinhos, coisa que a Várzea do Marçal correria sério risco de sofrer, pois está localizada a uma distância média do Rio de Janeiro, na época Capital Federal. Atualmente Belo Horizonte exerce influência direta sobre a região de São João del Rei, segundo dados do IBGE na publicação ”Regiões de Influência das Cidades” de 2007. Mesmo que a escolha tenha sido política, muitos acreditavam que escolhendo Belo Horizonte como sede da nova capital tornar-se-ia impossível a construção de uma capital nessa localidade em apenas quatro anos, por causa da falta de infra-estrutura no arraial, que era então distrito de Sabará e que contava apenas com uma precária via de acesso.
Definitivamente não foi errada a escolha do arraial de Belo Horizonte como sede da nova capital, atualmente se pode compreender isso.

    

Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem no ano de 1894.
Fonte: MHAB Acervo CCNC

    Como a maioria das cidades mineiras surgidas nos primórdios da ocupação do território mineiro, o arraial do Curral del Rey surgiu seguindo o traçado dos primeiros caminhos abertos a partir da insaciável busca pelo ouro entranhado nas serras desse belo torrão de terra brasileiro. Fundado nos limites do Quadrilátero Ferrífero e dos planaltos guardiões do vasto sertão das Gerais, de onde provinha o gado e os sertanejos vindos da porção nordeste da colônia, o arraial figurava como um importante entreposto entre a região produtora de víveres e a região consumidora dos produtos, ou seja, as minas de ouro distante poucas léguas do arraial, que mantinha ligação com as regiões auríferas através das estradas ou picadas, abertas a partir da ocupação do território.
      Existem duas versões que explicam o surgimento do arraial, estritamente conectadas e ao mesmo tempo distantes. De acordo com os historiadores Augusto de Lima Junior e Waldemar de Almeida Barbosa, no ano de 1706 o capitão da Nau Nossa Senhora da Boa Viagem, Francisco Homem del-Rei abandonou a sua embarcação no Rio de Janeiro e rumou para a região das minas em busca de riquezas e prosperidade, juntamente com o comandante Luiz de Figueiredo Monterroyo, edificando a Capela de Nossa Senhora da Boa Viagem de Itaubira.
      Após estadia em Itabirito, no ano de 1716 o capitão, nas sesmarias de Borba Gato, fez um requerimento para que o vigário da Vila de Sabará, núcleo urbano mais próximo do arraial, pudesse celebrar missa em uma capela de pao que erguera nas proximidades de sua moradia. Quando veio a autorização para celebrar missa, já existiam no entorno da capela inúmeras casas de mineiros e de agricultores, estava formado o arraial de acordo com o ilustre historiador.
      A segunda versão, na verdade a oficial, vem de Abílio Barreto[1], que conecta o arraial à sesmaria concedia ao bandeirante paulista João Leite da Silva Ortiz no ano de 1701, que ali se estabeleceu fundando a Fazenda do Cercado, nas terras atualmente ocupadas pelo bairro Calafate às margens das estradas do Bom Sucesso e do Cercadinho, em grande parte desaparecidas ou absorvidas pelo tecido urbano da capital mineira. A sesmaria de Silva Ortiz era bem extensa, abrangendo não só a porção das terras que abrigaria o arraial, poucos anos após a concessão, mas também as terras limítrofes à Serra das Congonhas[2], a Lagoa Seca e ainda a porção adjacente a Serra da Onça, ou Serra do Retiro Velho, divisor de águas do então ribeirão Grande[3] e ribeirão da Onça, na porção correspondente ao bairro da Lagoinha, e como destaca Barreto, um antigo topônimo ainda conservado em forma de bairro e boemia, assim batizado graças a uma pequena lagoa que ainda existia nos tempos da Comissão Construtora da Nova Capital.
      As duas versões se encontram estritamente conectadas, visto que o arraial nasceu nas terras da grande sesmaria de Borba Gato, senhor das terras da recém fundada Sabará. Silva Ortiz, que na verdade se estabeleceu na região da paragem do Cercado no ano de 1701, certamente foi atraído pela abundancia das águas que vertem do complexo da Serra do Curral e pelo tão sonhado ouro que descia morro abaixo, realizando o requerimento de sesmaria anos mais tarde, recebendo a carta de concessão no dia 19 de janeiro de 1711. A data precisa do surgimento do arraial é desconhecida, sendo que a notícia mais antiga da sua existência data do mês de janeiro de 1711, a partir de uma sesmaria concedida a José Ribeiro, que afirmara que já possuía há quatro anos um sitio defronte do Curral d’El Rey da outra banda do Ribeyrão que vem do Sitio chamado Sercado[4]. Barreto ainda observa que “logo depois de fundada a fazenda do Cercado, foi surgindo o povoado, ao qual os habitantes deram o nome de Curral del Rei, por causa do cercado ou curral ali existente (...)”.     
      Conectando as versões de Augusto de Lima Junior e Waldemar Barbosa, que não fala dos primeiros anos do século XVIII e a versão de Abílio Barreto, chega-se à seguinte conclusão: João Leite da Silva Ortiz chegou às terras que receberiam pouco tempo mais tarde o arraial do Curral del Rey no ano de 1701, na leva dos descobridores paulistas que para cá se dirigiram após a fome que assolou o solo mineiro nos derradeiros anos do século XVII, adquirindo uma concessão de terras longe de onde se estabeleceu o arraial.
      O arraial, fundado nas prósperas terras de Borba Gato, pioneiro Bandeirante, por Francisco Homem del-Rei que possuía uma fazenda dentro da grande Sesmaria de Borba Gato, surgiu ao longo do caminho para Sabará e Caeté, importantes centros mineradores e no caminho para as minas de Vila Rica e arredores, assíduos consumidores de produtos agrícolas e pecuários vindos do sertão e mesmo do vale do Paraopeba, região que se conectou diretamente com as minas apenas nos anos 1730 a partir da abertura de uma estrada via Serra da Calçada e da Moeda. Ou seja, o arraial estrategicamente se estabeleceu no entrocamento das estradas de Sabará e da Vila Rica.
      Para se ter ideia o arraial recebeu no ano de 1719 trinta dragões, aquartelados por ordem de D. Pedro de Almeida, futuro Conde de Assumar e no ano anterior um provedor dos quintos reais, indícios da importância do arraial para o erário real. E possivelmente recebeu a denominação Curral del Rey pela sua importância para o transporte do gado, ou mesmo um entreposto entre a região das minas e dos currais, local escolhido por Francisco Homem del-Rei para construir um notável curral e ainda se estabelecer possivelmente como comerciante, agricultor, negociante ou faisqueiro ainda no ano de 1709[5], dois anos antes do Curral del Rey existir oficialmente para a metrópole. Sendo assim, ao que tudo indica, e como observado por Borsagli (2017, p.30) a participação de Silva Ortiz na fundação do arraial é nula.
      Estabelecido o arraial vieram os louros da breve glória do século do ouro, ao mesmo tempo em que as terras da sesmaria original eram, ao que tudo indica, gradativamente parceladas, formando as primitivas fazendas que se tem notícia a partir da Lei de Terras do século seguinte. No ano de 1752, foi erigida uma vigaria junto a Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, abrangendo ainda as filiais de Contagem, Betim e Neves
   A Capela primitiva, erguida nos primeiros tempos da colonização já não comportava mais a população do arraial, devido a suas pequenas dimensões. Ela foi então substituída por uma edificação maior, com a mesma invocação de Nossa Senhora da Boa Viagem. A sua construção durou cerca de cinco anos, entre os anos de 1788 e 1792.
    O Curral Del Rey não foi muito prejudicado com a decadência das minas no final do século XIX como outros arraiais do mesmo período. Isso se deve a quase nula exploração de ouro nas suas redondezas, existindo apenas alguns registros de explorações na Serra do Mutuca e na região do Taquaril, esta citada por Richard Burton em 1865. Porém o arraial passou por um processo de estagnação durante o século XIX, estagnação verificada também em outras partes do Estado.
    É importante lembrar que a vida nos núcleos populacionais de Minas Gerais durante o século XVIII e grande parte do século XIX se dava nos finais de semana e dias de festa, pois durante a semana os habitantes encontravam-se ocupados nas roças e criações de gado, além da mineração na região das minas. Conseqüentemente as habitações permaneciam fechadas na maioria nos arraiais.
     Ao longo do século XIX o Curral del Rey se consolidou na produção de gêneros alimentícios, de farinha e de aguardente de cana, vendidas no próprio arraial nos finais de semana e nas vilas e cidades próximas, em particular a afortunada Congonhas de Sabará, com quem mantinha um animado comércio dada a presença dos ingleses da aurífera St. John del Rey no povoado, além de alguns curtumes, estabelecidos na porção sul do arraial. Dessa forma, torna-se necessário observar o cotidiano dos curralenses tão bem descritos por Francisco Martins Dias, em conformidade com o observado por Saint Hilaire ao longo das viagens por Minas Gerais e por outros viajantes.
     Na segunda metade do século XIX o Curral del Rey, apesar dos desmembramentos territoriais e do apontamento de uma decadência da Freguesia, era considerado um dos maiores produtores de algodão da Província, abrigando inclusive no distrito de Venda Nova uma pequena tecelagem e no ano de 1878 a fábrica de tecidos de Marzagão, às margens do ribeirão Arrudas, além da produção de víveres vendidos para fora da Freguesia.
     Indiscutivelmente, na proporção da época, o Curral del Rey, em meio a suas belas águas e belas serras, vislumbrava um futuro de gloria e abastança, glorias e esperanças que vieram com a proclamação da República no ano de 1889 e em consequência a mudança de nome, passando a se chamar "Bello Horisonte" a partir do ano de 1890.


Perspectiva do arraial de Belo Horizonte, antigo Curral del Rey no ano de 1894.
Fonte: Acervo do Autor    


*Publicação de abril de 2010 atualizada em março de 2019. (REFERÊNCIA: BORSAGLI, Alessandro. Sob a sombra do Curral del Rey: contribuições para a história de Belo Horizonte, v.1. Clube de Autores, 2016, p.25-80).

[1] Memória Histórica e Descritiva v.1 p.91.
[2] Serra do Curral.
[3] Ribeirão Arrudas.
[4] Revista do Arquivo Público Mineiro v.10 p.902.
[5] Não se descarta relação com a Guerra dos Emboabas o estabelecimento de Homem del Rei nas sesmarias de Borba Gato, visando o abastecimento de viveres à região das Minas.

Rios Invisíveis da Metrópole Mineira

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